Possessão

O pôr do sol daquela tarde estava fantástico. Ao longe, no horizonte, o astro-rei majestosamente ia se escondendo por detrás dos pinheiros, fazendo com que mais uma vez meus pensamentos se voltassem para a beleza do universo ao meu redor.


Aos poucos, a luz intensa tornou-se rubra enquanto a Terra parecia engolir o Sol. Por um instante tudo na minha vida fez sentido enquanto a brisa outonal tocava meu rosto.


Após retornar do transe provocado pela beleza da natureza trocando de cor, olho ao longe e um pequeno tufão de folhas começa a se formar. No começo não dei muita atenção, pois aquilo era normal essa época do ano. O vento ainda quente pela tarde de outono se encontrava com o ar frio da noite vindo dos campos e levantava algumas folhas, fazendo voar tudo que estivesse ao seu redor.


Um pássaro emitia seu toque de recolher, um coelho chamava seus filhotes para dentro da toca, os cães ladravam todos ao mesmo tempo, tudo no seu devido lugar, exceto pelo pequeno círculo de folhas que permanecia flutuando já por algum tempo.


Começo a ficar surpreso quando essa ínfima corrente de ar se aproxima cada vez mais de mim. Desligado, penso sobre o quão interessante seria estar dentro do olho de um furacão, ao passo que cada vez mais aquela formação vem ao meu encontro.


Decido levantar e começar meu caminho para casa, porém, ao virar de costas, o tufão vem em linha reta na minha direção. Tapo meus olhos e aguardo pelo encontro e...


Dor...


Dor?!


Dor!


Ao abrir meus olhos, uma dor incômoda sobe por todo meu tronco. Levanto as mangas e percebo feridas abertas, como se tivesse pego dezenas de giletes e passado profundamente de forma errática nos meus braços e abdômen, porém, sem nenhum sangue. Apenas pele rasgada.


O tempo se fecha e uma tempestade parece estar a caminho. Movido por essa dor intensa no meu corpo inteiro, começo a correr para meu carro enquanto vejo raios riscando o céu e nuvens negras se aproximando rapidamente.


- Como não percebi isso antes?!


Entro no carro e dou a partida... nada. Nem sinal do motor. - Mas que droga - penso, enquanto escuto as primeiras pedras de granizo batendo na lataria. Decido esperar um pouco pra ver se a chuva ameniza, mas começo a me preocupar quando percebo que o local onde deixei o carro torna-se perigoso à medida que a água começa a descer, pois a descida da colina em que eu estava dava direto no rio.


A chuva se intensifica. Uma cachoeira começa a se formar em minha direção e então o pior acontece. A terra desliza e minha proteção se vai junto com ela. Em um segundo estava na proteção de aço e no outro estava nadando para a superfície do lago enquanto meu precioso carro afundava.


Ainda em choque pelo que estava acontecendo, começo a nadar sem saber direito para onde, pois a escuridão da noite me deixava cego. Após alguns minutos nadando, que pareciam horas, chego a uma das margens do rio. Assim que meus olhos se acostumam com a escuridão, percebo uma pequena cabana fechada e uma fraca luz saindo pelas frestas da janela. Molhado e cansado, bato na porta na esperança de encontrar alguém, ao que prontamente um casal de simpáticos idosos me atende e me convidam a entrar.


Peço para passar a noite e eles me oferecem uma toalha e roupas secas que aparentam terem sido deixadas para trás, talvez pelo seu filho.


Após um longo e delicioso banho quente, entro no quarto que me indicaram e começo a me vestir.


Limpo, aquecido e renovado, vou até a cozinha rústica jantar um prato de sopa com eles e começo a contar como cheguei ali. Tudo ia bem até que levantei as mangas e mostrei as feridas.


Um prato cai no chão.


A senhora que estava com seu prato nas mãos para uma segunda rodada, solta um gritinho apavorado e o deixa escorregar até tocar no chão e se quebrar em dezenas de pedaços.


- Meu filho, isso é coisa ruim, muito ruim - diz ela, se apressando para ir até seu quarto.


O senhor se afasta um pouco de mim e começa a contar as lendas locais sobre espíritos ruins que se apossavam de viajantes, deixando cicatrizes e marcas. Ouço atentamente, mas por dentro sinto um misto de vontade de rir com um certo tom de medo. Sentimento interessante, penso.


Cético que sou, prefiro ignorar o barulho da senhora fazendo suas orações intercaladas com a frase coisa ruim, coisa muito ruim. Explico que não consigo acreditar que essas coisas existam, mas aceito a sugestão de irmos até a igreja local. Nesse momento descubro que na verdade essa é uma pequena comunidade isolada da cidade.


Pegamos guarda-chuvas para todos e saímos na chuva, que tinha dado uma amenizada, e andamos alguns metros até o santuário no centro do local.


Lá chegando, conversamos com um velho sacerdote, que no mesmo instante começa a me pulverizar com água benta e alguns incensos com cheiros estranhos. Minha vontade é de rir, mas mantenho a compostura e aguardo enquanto, logo após o sino tocar três vezes, mais alguns moradores chegam e me olham com expressões de incredulidade e medo em seus rostos.


Após alguns minutos de conversa sobre o que deveria ser feito, aceito uma mistura de ervas que me é oferecida pois, segundo eles, poderia me ajudar aquela noite. - Você precisa dormir - disseram.


A noite chega ao seu ápice do exagero quando todos decidem passar a noite dentro da igreja, afinal, seu solo sagrado faria com que os espíritos ruins fossem embora e nos protegeria. Por não ter como sair de lá e nem ter pra onde ir, aceito a sugestão. Nos acomodamos todos nos bancos e nos cobrimos com grossos edredons afinal, a noite ainda estava mais fria que o normal para essa época do ano. Lentamente começo a pegar no sono. Antes de dormir completamente, ainda consigo ouvir o padre cochichando que alguém precisaria ficar acordado a noite toda para cuidar de mim. Afasto as piadas que surgem na minha mente e aos poucos vou me entregando para o gostoso sentimento de conforto que estava tomando conta de mim...


...


Os primeiros raios de sol batem no meu rosto e acordo na minha cama, com os lençóis encharcados. A manhã era quente e eu estava todo suado. - Foi tudo um sonho - penso, enquanto vou correndo até o banheiro iniciar minha higiene matinal, pois estava atrasado para o trabalho.


Faço um sanduíche rápido, repassando o sonho da noite anterior para não perder os detalhes, - O pessoal no serviço vai rir muito disso - penso eu, enquanto pego as chaves e saio do meu apartamento, apressando o passo.


Enquanto isso, passando completamente despercebido ao meu olhar, na soleira do apartamento defronte ao meu, o jornal matinal exibia em letras garrafais a sua manchete do dia:


UMA NOITE SANGRENTA.
Comunidade local amanhece sem vida e massacre choca a cidade.

O Salto Último

A fumaça invadia o quarto. Cada poro do seu corpo exalava o cheiro daquele charuto velho cubano encontrado um pouco mais cedo no fundo de um baú empoeirado.

A chuva caía em uma forte tormenta lá fora. Cada gotícula se acumulava em formatos estranhos, escorrendo de forma quase poética ao longo do vidro da janela daquele 13º andar.

A tinta escorria pelo papel. Os traços daquele que seria seu último texto iam se desenhando com letras irregulares, o texto que marcaria o fim da sua jornada.

O suor escorria pela testa. Ele não sabia como ficar indiferente em face de tudo aquilo que sabia que estava reservado em seu destino.

A vela crepitava em seu repouso. Uma única vela, em cima de um único castiçal bailava, criando formas dentre as sombras do seu aposento.

As lágrimas insistiam em cair. Seu rosto, já demonstrava os traços da sua transformação. A expressão dúbia de quem demonstra que sua amargura está no limite, lutando contra seu maior medo e ao mesmo tempo sereno o suficiente para aceitar seu destino substituía seu semblante, outrora sempre jovial e com um sorriso sincero. Essa não era mais sua face à muito tempo.

As luzes da cidade criavam formas quase abstratas lá embaixo. Saberia alguém nesse mundo o fardo que estaria prestes a enfrentar? Nunca foi de ter muitos amigos, sua solidão sempre fora a maior companhia. - Ela sentiria a minha falta?

Levantou-se. Largou a pena no tinteiro, que suavemente se encaixou, pendendo um pouco à direita e tragou mais uma vez aquele charuto. Tossiu quando a fumaça encontrou sua garganta. Sabia que não deveria tragar, mas seu instinto falou mais alto. Encostou-se contra o vidro da sacada e passou os dedos levemente nas formas criadas pelas gotas de chuva. Sentiu o frio percorrer sua espinha. Virou-se de costas e deixou essa sensação percorrer sua espinha. De alguma forma ainda sentia-se… vivo, mesmo que sua mente insistisse em dizer o contrário. Puxou do bolso da calça o que estivera escrevendo. Passou os olhos lentamente em cada letra, até sua assinatura no final. Até a frase… aquela frase.

Secou a última lágrima que escorreu do seu olho direito, abriu a sacada e respirou o ar outonal. O frio novamente o invadiu, porém agora pelas suas narinas. Sentia-se fraco, sentia-se debilitado, sentia frio.

Largou vacilante a folha, caminhou até o parapeito. Sentou-se ali, admirando as luzes dos postes.

Ergueu-se. Primeiro o pé direito. Então o esquerdo.

Virando-se para a rua, deu seu último suspiro antes de largar-se na imensidão que cobria a distância até o solo.

A vela apagou-se.

Então… o silêncio…

E na folha, a última frase escrita podia ser lida em um papel debilmente amassado…

...foi por você...

[Pré] Livro Review - O Titereiro dos Mortos

OMG Álisson, seu blog ressuscitou dos mortos e você voltou a escrever?

Quem sabe amiguinhos, quem sabe. Afinal hoje vamos falar justamente de alguém que tem o poder de controlar os defuntos... Com vocês, mais uma review em PRIMEIRÍSSIMA MÃO: O Titereiro dos Mortos.



Novamente, como aconteceu com Morgan: O Único, que vocês acompanharam aqui no Depósito de Contos a primeira review, tive a honra de acompanhar a passagem deste livro diretamente da mente maluca de Douglas Eralldo, para o papel (digital vai, mas mesmo assim é papel).



- Álisson, você foi o backup do Douglas de novo? Vai dizer que ele perdeu o pendrive dessa vez? - Nãããão \o/. O que não quer dizer que ele não tenha apagado sem querer algum arquivo no meio da concepção da história e eu tive que recuperar o backup que eu tinha no meu pc =x.

Enfim... Como eu ia dizendo...

Já no prólogo, somos convidados a conhecer a história de Daniel, um garoto pobre, morador da Vila Cruzeiro, em Porto Alegre. Profundamente deprimido pela morte do seu melhor amigo, o cachorro Bolota, e em meio a lagrimas e fungadas, ele descobre que tem um poder um tanto quanto peculiar. As palavras que proferiu, fizeram seu grande amigo retornar de seu descanso eterno e também mudaram a vida de Daniel para sempre.

Para quem acompanhou o livro Morgan: O Único, vai notar algumas diferenças, mesmo com a temática sendo parecida. Apesar de manter a mesma pegada de capítulos curtos e que deixam o leitor louco para devorar completamente as páginas do livro até o seu final, dessa vez Douglas nos traz uma narrativa voltada mais para o público dos grandinhos (para a alegria de muitos). Com muitas passagens verdadeiramente picantes e outras realmente nojentas (poxa é uma história de zumbis, você esperava o que?!) a história vai fluindo nos mostrando os dilemas passados pela mente doentia de Daniel, capaz de qualquer coisa para atingir os seus objetivos (dominar O MUNDO MWAHWAHWAHWA) afinal, outro aspecto diferente e também pouco explorado na literatura é o fato de que Daniel não apenas pode levantar os mortos de suas tumbas mas, como você já deve estar imaginando pela arte/título do livro, ele também pode controlá-los. Como não poderia deixar de ser, são explorados os dilemas encontrados por Gabriel, seu irmão e maior inimigo, pois ele gosta do mundo do jeito que ele é e não gostaria de vê-lo dominado por... criaturas estranhas, mesmo que para isso seja necessário enfrentar seu próprio irmão.

Porém, engana-se quem pensa que a única batalha é entre Gabriel e Daniel. Nas idas e vindas desta dupla, acabamos por conhecer Zé Paulada, o chefe do tráfico da principal favela de Porto Alegre, e que sente-se muito incomodado por seus negócios estarem sendo atrapalhados por pessoas tão difíceis de matar.



Uma das características interessantes é que, assim como era feito nos primórdios das escritas sobre zumbis, onde além de entreter os leitores, o teor das narrativas buscava fazer fortes críticas à sociedade e uma reflexão sobre o mundo em que vivemos, Douglas nos traz diversos conflitos políticos, escândalos religiosos, corrupção e diversas outras sutis críticas que, ao seu modo, nos mostram o quão frágil é nossa sociedade e como estamos imunes às decisões daquele quem detêm o poder e o quão fracos somos à frente daqueles que, apesar de não estarem ligados ao governo, infelizmente também detém o poder.

Pra você que deve estar se perguntando - e aí Álisson, vai ter romance na jogada? - eu lhe digo. CERTAMENTE \o/. Porém infelizmente não vou deixar muitos detalhes para não dar nenhum tipo de spoiler, mas deixe sua imaginação fluir e preparem-se para altas emoções.

Você que também gosta de ação, ééé, você mesmo... para sua alegria, não são poucas estas cenas, com detalhes tão ricos que você vai poder sentir o cheiro pútrido dos mortos sendo chamuscados por saraivadas de balas em diversos conflitos armados espalhados ao longo do livro.

Se você gosta de zumbis, aprecia a literatura fantástica ou apenas quer utilizar muito bem algumas horas do seu dia com uma ótima narrativa, não deixe de conferir o novo livro de Douglas Eralldo: O Titereiro dos Mortos, com lançamento marcado pra dia 13 de abril, em Porto Alegre, na 2º Odisseia da Literatura Fantástica. Mas já vou avisando: Cuidado. Não comece a ler esse livro caso seu tempo esteja curto, pois vai ser impossível parar antes de chegar ao final.


Daquela vez, era como se as almas ao regressarem à matéria inerte e morta reclamassem da escravidão. Mas mesmo assim, as palavras estranhas para os homens, e o ritmo da canção as impulsionavam de volta aos corpos abandonados em buracos e jazigos.
Terminada a canção, Daniel estava em pleno êxtase. Excitado, ejaculou sob a túnica como forma de aliviar todos os sentidos de seu corpo. Suas pernas bambearam.
Quando finalmente Daniel abriu os olhos, uma multidão de criaturas disformes e apodrecidas aplaudiam-no lentamente.


Não deixem de conferir e prestigiar esse grande lançamento da literatura fantástica nacional. Confiram O Titereiro dos Mortos, por Douglas Eralldo.

Abraços pessoal :)

Ontem eu vi um cara


Ontem eu vi um cara.
Não era belo, não era feio, era apenas um cara.
Seu rosto era composto de uma barba rala, mal feita; uma ou duas noites mal dormidas que causaram um roxo profundo de olheiras mas, o que realmente me chamou atenção naquele cara era a ausência da própria sombra ao passar pela luz.
Era noite, um poste após outro ele ia passando, e a sombra ligada a seus pés não se formava, não andava junto.
Seu olhar era marcante. Um olhar distante, longo, perdido.
Esse homem andou até a mais alta ponte seca da cidade.
Subiu no parapeito e olhou para baixo.
Seu cabelo desgrenhado voava ao vento enquanto ele analisava a queda.
Então o homem, que já tinha decidido o que estava para fazer, colocou os pés mais para frente, alinhados com o final da ponte.
E com aqueles olhos azuis e a face cansada ele me viu.
E com o susto que teve, se desequilibrou e seu corpo foi jogado pra trás, fazendo-o cair com as costas no asfalto.
Foi então que uma luz muito forte o iluminou.
Uma luz forte, que mesmo parecendo poder cegá-lo, ainda assim não produziu sombra alguma.

Então minha missão foi cumprida. Seu crânio foi achatado pelas rodas do caminhão.

Prazer, eu sou a morte!

E quando até mesmo a sombra é capaz de te abandonar, é sinal de que eu estou espreitando... E de uma maneira ou de outra, eu vou te levar...

Sangue por Todos os Lados


Sangue... sangue por todos os lados.

Sangue nas paredes, na cortina, na capa do sofá. Capa que me custou exatos 72 reais na feira de móveis usados. O tom vermelho contrastou de uma forma intrigante com o azul da capa do sofá. Capa esta que me custou 72... ou seriam 73 reais?

Droga. Odeio me esquecer das coisas. Onde eu estava mesmo? Ah sim... Sangue... sangue por todos os lados.

Vejo muito sangue mas não vejo nenhum corpo. Não vejo um corte ou um ferimento. Não vejo vítimas, assassinos, ladrões nem nada parecido. Se houvesse um ladrão ele teria levado meu abajur. Lindo abajur com as faces formando uma espécie de guarda-chuvas de cristal, com pêndulos cristalinos na ponta. Quanto eu paguei por ele mesmo? Droga. Odeio me esquecer das coisas.

Nossa, olha o carpete. Carpete lindo de manta com três cores diferentes formando uma espiral no centro. Cheio de sangue, droga, olha quanto sangue. De onde será que vem?

Peraí. O que é aquilo atrás do sofá azul cheio de manchas de sangue? Que desperdício de dinheiro... sangue mancha sabia?

Está reluzindo, brilhando, ofuscando minha visão...

É uma faca. Rá! Acho que finalmente achei a arma do crime. Será que houve algum crime?

Ei! Um corpo caído. Nossa esse rosto parece familiar. Onde será que eu vi ele antes?

Deixa eu tentar me lembrar... Abajur cristalino, 72 ou 73 reais, faca... JÁ SEI. Esse é o meu rosto.

Sou eu que estou deitado com o abdômen aberto e as tripas no chão... Como eu não me lembrei disso antes?!

Droga. Odeio esquecer das coisas.

A Porta dos Sonhos


- AAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAHH - gritou Pedro ao acordar de seu pesadelo.
Os braços tremiam e o suor escorria de sua face, gotejando no lençol branco e já umedecido.

Assim que retomou sua consciência e percebeu que já estava novamente no mundo físico, Pedro fechou os olhos e recostou sua cabeça no travesseiro para tentar se lembrar em detalhes do que havia acontecido, pois assim que levantasse, a bolha que cobre as lembranças iria se romper e com ela tudo o que havia de mais belo em seu pesadelo iria se desfazer. E isso seria trágico para um devaneio muito bem tramado por sua mente que, com certeza, em algumas horas iria se tornar um conto nas páginas de seu blog na internet.

Pedro sempre achou estranho na maneira como os seus sonhos insistiam em serem tão cheios de detalhes. Tanto que não era nem um pouco difícil transcrevê-los no seu computador.

Porém as coisas estavam mudando aos poucos a cada dia. Essas imagens que formavam suas histórias apenas em sonhos, começavam a se apresentar defronte aos olhos quando Pedro estava desperto também. Quando se concentrava, seja para resolver algum problema no trabalho ou em algum momento de meditação rápida, sempre conseguia imaginar uma porta ao seu lado esquerdo... "a porta dos sonhos", como gostava de pensar.

A fechadura que essa porta continha era pequena o suficiente pra não deixar Pedro olhar o que havia do outro lado, além de ser uma pequena brecha que reduzia sua visão à apenas um pequeno detalhe da cena.

Caso esse detalhe chamasse sua atenção, Pedro sentaria em sua cadeira, abriria seu Bloco de Notas e começaria a descrever o que viu. Nesse momento, seu mundo seria desligado e apenas a porta estaria à sua frente.

Quanto mais palavras apareciam na tela, mais Pedro se aproximava da porta e quanto mais Pedro se aproximava da porta, mais partes da cena poderiam ser vistas. Assim, vez por outra sua mente estava sendo entregue à porta dos sonhos de maneira desperta. O que ele não sabia, era que o mundo estava prestes a passar por uma mudança...

E essa mudança iria custar a vida de milhões de pessoas caso Pedro não achasse a chave certa que abre a sua porta dos sonhos...

Devaneio dispersado


- CRAAAW, CRAAW - fez o corvo voando pela janela, acordando-o de suas divagações.
Ele odiava quando seus pensamentos eram interrompidos de forma brusca, mas ultimamente isto se tornara uma rotina.
Não tinha ideia do motivo pelo qual os pássaros estavam tão agitados pelas redondezas, mas não perdia muito do seu precioso tempo tentando descobrir.

Quando voltou a focar os pensamentos nos códigos que estava digitando para tentar fazer um software qualquer voltar à funcionar, se deu conta de que sua bexiga estava a ponto de explodir.

Afastou sua cadeira alguns centímetros, bloqueou o computador para ter certeza de que ninguém iria futricar nas suas coisas - não que existam coisas muito secretas aqui nessa máquina - pensara, mas odiava imaginar seus colegas mexendo em um ícone que fosse da área de trabalho.

Abriu a porta e caminhou até o banheiro, que ficava na porta ao lado. Ao abrir o banheiro, sentiu um cheiro nojento vindo de dentro. - Malditos cagões - pensou.

Ao tentar abrir a porta de um dos dois box, constatou que a mesma estava fechada. - Custa perderem a mania de trancar a porta antes de sair do banheiro? - Esses pequenos incômodos eram o que transformavam um dia ótimo de trabalho em um dia repleto de rancor.

Após fazer suas necessidades notou que, ao se dirigir à porta do banheiro pisou em uma poça. Qual não foi sua surpresa quando percebeu o vermelho vivo que aquele líquido reluzia.

Assustado, saiu correndo tropeçando nos próprios pés quase batendo de cabeça na parede em frente. Por sorte um funcionário da manutenção do prédio estava passando e, ao perceber o que tinha causado aquele susto, rapidamente entrou no banheiro para destrancar a porta, pois a poça vinha de lá.

Ao abrir a porta, nenhum dos dois consegui segurar o almoço dentro do próprio estômago.

Sentado ao vaso jazia um corpo sem cabeça. Mesma cabeça essa que estava faltando no alto do corpo, encontrava-se embaixo da tampa, teimando em trancar o fluxo da água e transbordar um rio de sangue e água encanada...