O Salto Último

A fumaça invadia o quarto. Cada poro do seu corpo exalava o cheiro daquele charuto velho cubano encontrado um pouco mais cedo no fundo de um baú empoeirado.

A chuva caía em uma forte tormenta lá fora. Cada gotícula se acumulava em formatos estranhos, escorrendo de forma quase poética ao longo do vidro da janela daquele 13º andar.

A tinta escorria pelo papel. Os traços daquele que seria seu último texto iam se desenhando com letras irregulares, o texto que marcaria o fim da sua jornada.

O suor escorria pela testa. Ele não sabia como ficar indiferente em face de tudo aquilo que sabia que estava reservado em seu destino.

A vela crepitava em seu repouso. Uma única vela, em cima de um único castiçal bailava, criando formas dentre as sombras do seu aposento.

As lágrimas insistiam em cair. Seu rosto, já demonstrava os traços da sua transformação. A expressão dúbia de quem demonstra que sua amargura está no limite, lutando contra seu maior medo e ao mesmo tempo sereno o suficiente para aceitar seu destino substituía seu semblante, outrora sempre jovial e com um sorriso sincero. Essa não era mais sua face à muito tempo.

As luzes da cidade criavam formas quase abstratas lá embaixo. Saberia alguém nesse mundo o fardo que estaria prestes a enfrentar? Nunca foi de ter muitos amigos, sua solidão sempre fora a maior companhia. - Ela sentiria a minha falta?

Levantou-se. Largou a pena no tinteiro, que suavemente se encaixou, pendendo um pouco à direita e tragou mais uma vez aquele charuto. Tossiu quando a fumaça encontrou sua garganta. Sabia que não deveria tragar, mas seu instinto falou mais alto. Encostou-se contra o vidro da sacada e passou os dedos levemente nas formas criadas pelas gotas de chuva. Sentiu o frio percorrer sua espinha. Virou-se de costas e deixou essa sensação percorrer sua espinha. De alguma forma ainda sentia-se… vivo, mesmo que sua mente insistisse em dizer o contrário. Puxou do bolso da calça o que estivera escrevendo. Passou os olhos lentamente em cada letra, até sua assinatura no final. Até a frase… aquela frase.

Secou a última lágrima que escorreu do seu olho direito, abriu a sacada e respirou o ar outonal. O frio novamente o invadiu, porém agora pelas suas narinas. Sentia-se fraco, sentia-se debilitado, sentia frio.

Largou vacilante a folha, caminhou até o parapeito. Sentou-se ali, admirando as luzes dos postes.

Ergueu-se. Primeiro o pé direito. Então o esquerdo.

Virando-se para a rua, deu seu último suspiro antes de largar-se na imensidão que cobria a distância até o solo.

A vela apagou-se.

Então… o silêncio…

E na folha, a última frase escrita podia ser lida em um papel debilmente amassado…

...foi por você...